De repente,
não mais que de repente, o noticiário sobre as manifestações que paralisam
grandes cidades brasileiras há uma semana sofre uma reviravolta: agora os
jornais começam a enxergar os excessos da polícia e mostrar que no meio da
tropa há agentes provocadores e grupos predispostos à violência.
Um dos
relatos mais esclarecedores sobre o momento em que a passeata realizada na
capital paulista na quinta-feira (13/06) deixou de ser pacífica é feito pelo
colunista Elio Gaspari, na Folha de
S.Paulo e no Globo (ver
"A
PM começou a batalha na Maria Antônia"). Ele descreve como uma equipe
da tropa de choque se posicionou e agiu deliberadamente para provocar o
tumulto.
Há também,
na rede social digital, um vídeo mostrando um PM, aparentemente por orientação
de um oficial, quebrando o vidro da viatura. A imagem, cuja autenticidade só
pode ser confirmada pela própria Polícia Militar, está diponível no Youtube.
No Facebook,
registro para a legenda colocada sob cenas dos conflitos, no noticiário da
GloboNews durantea noite: “Polícia fecha a Avenida Paulista para evitar que
manifestantes fechem a Avenida Paulista”. Nessa linha de raciocínio, pode-se
imaginar também a seguinte manchete: “Polícia usa violência para evitar
violência de manifestantes”.
Truculência e irresponsabilidade
Foi preciso
mais do que evidências para a imprensa cair na real: os repórteres testemunharam
dezenas de ações abusivas de policiais, como a retirada e o espancamento de um
casal que tomava cerveja num bar, alheio à passeata, ou o lançamento de
granadas de gás em meio aos carros travados nos congestionamentos.
Claramente,
não se trata de bolsões descontrolados, mas de uma ação organizada dentro da
corporação policial, o que mostra o esgarçamento da disciplina e do controle na
Polícia Militar. A única possibilidade de desmentir tal observação é a ação
imediata do comando, identificando e afastando das ruas os oficiais
responsáveis por esses grupos.
"A violência gratuita e excessiva ficou registrada nas páginas dos jornais, entre outras razões, porque desta vez houve mais jornalistas entre as vítimas de agressões. Sete deles são repórteres da Folha de S. Paulo. Isso talvez explique a mudança de tom nas reportagens, mas o relato da violência não esgota o assunto, apenas instala algum equilíbrio na visão dos fatos por parte da imprensa."
Para ampliar
sua compreensão do que realmente se passa nas ruas da cidade por estes dias, o
leitor tem que se valer de outras fontes além dos jornais e do noticiário da
TV. Por exemplo, o vereador Ricardo Young, que acompanhou o indiciamento de
alguns manifestantes detidos, registrou no Facebook um fato preocupante: policiais
fizeram a revista de mochilas e bolsas longe de testemunhas, trocando conteúdos
e inserindo em algumas delas materiais estranhos, como pedras e pacotes com
maconha. Assessores do vereador denunciam que houve tentativa de “plantar”
provas contra alguns dos manifestantes detidos.
É notória a
má vontade da polícia, como instituição, contra jovens em geral, talvez ainda
um resquício da ideologia de segurança pública que se consolidou durante a
ditadura militar e que ainda orienta a formação nas academias. Os indicadores
de agressões cometidas por agentes públicos contra homens jovens são um dos
aspectos mais evidentes nos estudos sobre a violência nas grandes cidades
brasileiras. O encontro dessa mentalidade com a irresponsabilidade de grupos de
manifestantes que se julgam autores de uma revolução política pode resultar em
tragédia.
Ações ilegais
Se algum
fato mais grave vier a ocorrer em futuras manifestações, pode-se contar como
grande a probabilidade de haver alguns desses policiais envolvidos. Portanto, a
responsabilidade pelo que virá a partir de segunda-feira (17/6), quando nova
manifestação está marcada para o Largo da Batata, na zona oeste de São Paulo,
tem um peso maior na Secretaria de Segurança Pública.
Isso não
quer dizer que a prefeitura e os líderes do Movimento Passe Livre, bem como os
dirigentes dos partidos cujas bandeiras são agitadas por alguns ativistas,
estejam isentos de arcar com sua parte na tarefa de prevenir o desastre.
A imprensa,
que finalmente despertou para o fato de que há vândalos em ambos os lados do
conflito, pode ajudar a identificar os comandantes dessas ações ilegais, assim
como tem sabido apontar os autores de depredações durante os protestos.
Foi preciso que alguns jornalistas sofressem a
violência no próprio corpo para que os jornais se dessem conta de que nem tudo
é o que parece.
Fonte: Observatório da Imprensa