segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Piscólogo Social comprova a existência da 'invisibilidade pública'

'Fingi ser gari por 8 anos e vivi como um ser invisível'
Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da
'invisibilidade pública'. Ele comprovou que, em geral, as pessoas
enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado
sob esse critério, vira mera sombra social.

O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou
oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Ali,
constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são 'seres
invisíveis, sem nome'. Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu
comprovar a existência da 'invisibilidade pública', ou seja, uma
percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão
social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa.
Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de
R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição
de sua vida:

'Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode
significar um sopro de vida, um sinal da própria existência', explica o
pesquisador.

O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não
como um ser humano. 'Professores que me abraçavam nos corredores da USP
passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes,
esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me
ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão',
diz.

No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma
garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha
caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra
classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns
se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latão de lixo
pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e
serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num
grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro. Eu nunca apreciei
o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e
claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de
refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem
barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a caneca improvisada,
parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse:
'E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?' E eu bebi.
Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversar
comigo, a contar piada, brincar.

Piscólogo Social, Fernando Braga da Costa
O que você sentiu na pele, trabalhando como gari?
Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí
eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo
andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na
biblioteca, desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei
em frente a lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse
trajeto e ninguém em absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O
meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa da
cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar,
não senti o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado.

E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou?
Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a
situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se
aproximando - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar
por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse
passando por um poste, uma árvore, um orelhão.

E quando você volta para casa, para seu mundo real?
Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está
inserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais. Acredito
que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa. Esses
homens hoje são meus amigos. Conheço a família deles, freqüento a casa
deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador.
Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. Eles são
tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo
nome. São tratados como se fossem uma 'COISA'.

Thiago M. Florentino

Fonte: Plínio Delphino, Diário de São Paulo. 

Três lápides e três posturas


Era uma vez três religiosos, um deles achou ter achado a religião mais perfeita e saiu ensinando-as querendo que todos aderissem a ela. O segundo achou ter achado religião ainda mais perfeita e saiu ensinando-a; queria que todos aderissem a ela.

O terceiro achou ter achado a religião perfeita para ele; talvez pudesse ser perfeita também para o outros… Mas ficou no talvez!… Saiu divulgando-a, mas quando um amigo dizia ter achado outra religião, respeitava a escolha do amigo. Não impunha a sua; dialogava.

Deus lhe dera uma mensagem que lhe fazia bem e, quem sabe tivesse dado a mensagem que ao outro lhe fizesse bem! Discordava em alguns pontos das outras mensagens, mas não se valia disso para ofender os outros. Se alguém queria vir para a sua igreja, ele acolhia; se quisesse ir embora ele respeitava. Os colegas o chamavam de tíbio e leniente demais.

Mas ele garantia que era crente no Deus absoluto, sem absolutizar a sua fé. Nunca superlativizou seu grupo de igreja. Aprendeu a viver com outras crenças, entendendo que a luz de Deus é difusa, e que o mesmo Sol que brilhava no telhado de sua casa e da sua igreja, brilhava também nas casas e igrejas dos outros.

Viveu dialogando e morreu dialogando. Era assim que ele entendia o Reino de Deus. 

Pregadores deste Reino convidam mas não mentem nem usam de estatísticas falsas ou truques de marketing para arrastar gente para seus templos.

Os outros dois viveram convertendo gente e enchendo seus templos de gente que vinha ouvir suas pregações inflamadas de amor e de fé e cercada de mil garantias de felicidade aqui e na outra vida. E convenciam! Morreram tentando converter os outros.

No cemitério da cidade há três monumentos. Na lápide de um está escrito: -“Pregou a religião verdadeira, anunciou incansavelmente a verdadeira fé”. Na lápide do outro também se liam quase os mesmos dizeres. Na lápide do terceiro alguém escreveu: “Acreditou que Deus dialoga e dialogou”.

Pe. Zezinho

Chega de hipocresia, meu Deus é o mesmo que o seu! (Thiago M. Florentino)